domingo, 18 de abril de 2010

Surdez e Linguagem

Primeiramente vamos falar sobre o conceito de surdez. É bastante comum ouvirmos as pessoas se referirem ao surdo como "mudo", ou pior, "mudinho", surdo-mudo, deficiente auditivo, entre outros. A maioria dos surdos não apresenta nenhuma deficiência no aparelho fonador, ou seja, seus órgãos internos e externos da fala estão intactos, por isso não podem ser considerados como mudos.
Então por que alguns não falam quase nada ou falam diferente?
Todos os surdos vocalizam, algumas vezes produzem sons mais graves, outras vezes mais agudos, porém, por não ouvirem, não têm feedback auditivo.
As pessoas da família ou outros ouvintes, que convivem com a pessoa surda já estão mais acostumados com seu tipo vocal, por isso compreendem melhor o que ele diz.
A oralidade no surdo depende de alguns fatores, entre os quais estão o momento do aparecimento da surdez , que pode ser pré-lingual, peri-lingual ou pós lingual; do grau de surdez, que varia de perda leve, perda moderada, perda severa, perda profunda e perda total; e do estímulo da fala, que quanto mais precoce, maiores as possibilidades de uma criança com surdez severa ou profunda por exemplo desenvolver a oralidade.
Mas, por que Surdo?
Os surdos não se definem como deficientes porque procuram enfatizar o aspecto cultural e lingüístico da surdez e não a ausência de algo, no caso, da audição.
Mudo é a pessoa incapaz de falar, por defeito do aparelho fonador (dicionário Silveira Bueno); Impossibilitado de falar, por defeito orgânico ou por acidente; silencioso; calado (dicionário on- line - Priberam); Privado do uso da palavra por defeito orgânico ou causa psíquica (dicionário Aurélio).
Feedback auditivo é uma expressão para designar um retorno auditivo que permite o autocontrole da fala.
Ouvinte é o termo utilizado pelos surdos para se referirem aos não surdos.
A Surdez Pré-lingual é caracterizada pela total ausência de memória auditiva, sendo por isso extremamente difícil a estruturação da linguagem. A Surdez Peri-lingual surge nas crianças que falam mas que ainda não lêem, situação em que, se não existir um acompanhamento eficaz, se dá uma rápida degradação da linguagem. A Surdez Pós-lingual surge quando a criança já fala e lê, não se acompanhando praticamente de regressão devido ao suporte da leitura.
Dependendo do grau de surdez, a prótese auditiva pode ser muito útil na aprendizagem da fala. Nos casos de perda severa à total, a prótese não produz muitos efeitos.
A existência de uma comunidade, que se identifica como grupo cultural, contribuiu para que os estudos sobre a surdez ganhassem espaço no campo dos estudos culturais. Antes disso, a surdez era exclusivamente objeto dos estudos médico- terapêuticos.
As Comunidades surdas e as Línguas de Sinais
Durante muito tempo e até algum tempo atrás, os surdos eram submetidos a duras e longas sessões de reabilitação da fala nas próprias escolas de surdos, cujo objetivo era transformar esses alunos num modelo mais próximo possível ao ouvinte.
A língua de sinais foi proibida nas escolas de surdos no final do século XIX e por quase cem anos, pois, muitos estudiosos da época acreditavam que a língua de sinais retardaria o desenvolvimento da fala e que contribuiria para a segregação dos surdos, excluindo-os da sociedade majoritária ouvinte.
Mas as línguas de sinais, que já estavam estruturadas em vários países e era utilizada pelos surdos para se comunicarem em outros contextos além do espaço escolar, sobreviveu, principalmente nas associações de surdos.
Até hoje as associações de surdos desempenham um papel fundamental de espaço de produção cultural e de disseminação da identidade e da cultura surda tendo a Língua de Sinais como elemento principal e determinante dessa cultura.
Em algumas cidades que não existem associações de surdos, eles costumam se reunir em locais específicos. Esses encontros podem ser em uma praça, um terminal urbano, um parque, entre outros.


PARA CONHECER AS ASSOCIAÇÕES DE SURDOS NO BRASIL ACESSE
http://www.cbsurdos.org.br/

Segundo Tomaz Tadeu da Silva, autor do livro "Identidade e Diferença" "a identidade e a diferença são criações sociais e culturais".(p.76)
A identidade surda é criada e fabricada pelas pessoas surdas no convívio com outros surdos falantes de uma mesma língua.
Os estudos surdos, que se definem como uma ramificação dos estudos culturais, buscam aprofundar as questões que evidenciam a existência da identidade e cultura surda, ainda que os surdos estejam inseridos no meio ouvinte.
As comunidades surdas, atualmente, se articulam, assim como outras minorias étnico-lingüístico-culturais, na luta por reconhecimento lingüístico e por direitos que garantam sua liberdade de expressão e acessibilidade, facilitando seu desenvolvimento como ser humano integral e o exercício de sua cidadania.
O final do século XX e início do século XXI no Brasil têm sido fortemente marcados por movimentos surdos, resultando em conquistas bastante significativas para as comunidades.
No dia 26 de setembro de 2006 foi realizada uma passeata feita pela comunidade surda de Niterói-RJ. A passeata com o tema "orgulho surdo" realizada no Dia Nacional dos Surdos, remete a sociedade a enxergar a surdez com outros olhos, associando-a a questão da diversidade e da diferença.


PARA SABER MAIS
Veja: http://www.eusurdo.ufba.br/arquivos/estudos_surdos_feneis.doc


Métodos de Ensino para Surdos


Vimos que a língua de sinais nunca foi extinta embora tenha sofrido sérias restrições nas instituições educativas.
O congresso de Milão, em 1880, foi o marco do período denominado por alguns autores como "período das trevas da pedagogia oralista"
Agora vamos conhecer algumas características dos métodos utilizados na educação de surdos e os novos rumos que tem tomado essa educação, bem como as leis que amparam e respaldam a educação dos surdos no Brasil.


Os cinco modelos educacionais na Educação de Surdos:


• ORALISMO


• COMUNICAÇÃO TOTAL


• BILINGUISMO


• PEDAGOGIA DO SURDO


• MEDIAÇÃO INTERCULTURAL


Oralismo


"O oralismo percebe a surdez como uma deficiência que deve ser minimizada através da estimulação auditiva". (GOLDFELD, 1997, p.31)


Talvez você pense: "Mas, que mal há em ensinar o surdo a falar a língua padrão do país, pois, se a maioria das pessoas utiliza esta língua será muito mais fácil o convívio dele na sociedade".


O problema da filosofia oralista não é este, mas o fato de não aceitar a língua de sinais como língua natural do surdo e impor a língua oral. É fazer da escola um espaço de reabilitação da fala, transformando-a em uma clínica fonoaudiológica.


O surdo tem direito de aprender a língua oral escrita ou falada, mas a escola deve garantir a ele, primeiramente um ambiente linguístico rico, que favoreça o seu desenvolvimento integral (social, cognitivo, afetivo, psicomotor,etc) o que as longas sessões de terapia da fala não permitiam, trazendo sérios prejuízos ao desenvolvimento da criança surda.


Ainda hoje existem escolas que trabalham na perspectiva de ensino oralista, apoiando-se em experiências de casos isolados de surdos que conseguiram desenvolver a fala e se destacarem socialmente. Porém, mesmo nessas escolas não se pode proibir mais a língua de sinais, pois a legislação vigente não permite tal medida.


Comunicação Total


O próprio nome é bastante sugestivo, pois a Comunicação Total é um modelo de educação que utiliza todas as possíveis formas de comunicação como auxiliares no desenvolvimento da fala, inclusive gestos naturais das crianças surdas, alfabeto manual, leitura oro-facial1 e utilização de aparelhos auditivos.


Essa modalidade de educação foi desenvolvida em meados de 1960, após detectado o fracasso do oralismo puro em muitos sujeitos surdos.


Bilingüismo


A proposta educativa em questão entende que o bilinguismo consiste no ensino da língua oral e língua de sinais separadamente.


Dentro desta proposta de ensino a língua de sinais é reconhecida como língua materna, natural e primeira a ser adquirida pela criança surda e a língua portuguesa como uma segunda língua, considerando que por ser majoritária, a aquisição desta segunda língua é necessária para que o surdo tenha maior acesso às informações em geral e melhores condições de convivência no meio ouvinte.


Pedagogia do Surdo


Este modelo pedagógico é aspirado pela comunidade surda, que busca reafirmar sua identidade e emancipar-se das práticas ouvintistas na educação de surdos. Entende a escola como um espaço de vivências e experiências culturais compartilhadas entre os sujeitos surdos. A Língua de Sinais deve ser o principal veículo de comunicação e instrução dos surdos dentro da escola, sem interferências da língua oral. A história da educação dos surdos e das línguas de sinais passa a compor o conteúdo estruturante das aulas.


A Pedagogia do Surdo valoriza a presença do profissional surdo dentro da escola. A criança surda, desde a educação infantil, deve estar em contato constante com a Língua de Sinais, que, irá mediar o processo de desenvolvimento integral dessa criança.


1 Leitura oro-facial é a leitura labial associada à visualização de toda a fisionomia da pessoa que fala, incluindo sua expressão fisionômica e gestos espontâneos. Leitura labial é a capacidade de "ler" a posição dos lábios e captar os sons que alguém está fazendo. É útil quando o interlocutor formula as palavras com clareza. Porém, é provável que até o melhor leitor labial adulto só consiga entender 50% das palavras articuladas (talvez menos). O resto é pura adivinhação. Muitos sons são invisíveis nos lábios. Por exemplo, a diferença entre as palavras "gola" e "cola" dependem unicamente dos sons guturais. Outros sons, como "p" e "m", "d" e "n" e "s" e "z", podem ser facilmente confundidos. Se a pessoa não souber bem qual o assunto da conversa, terá mais dificuldade de fazer a leitura labial. Para quem já nasceu surdo, a leitura labial é muito mais difícil do que para alguém que tinha audição, pois tem de imaginar os sons que nunca foram ouvidos.


2 Bernardino (2000), cita Appel e Muysken sobre três definições de bilinguismo, baseados em três autores diferentes: 1) "um bilíngue deve possuir um domínio de duas ou mais línguas como um nativo" (Bloomfield); 2) "uma pessoa poderia ser qualificada como bilíngue se tiver , além das habilidades em sua primeira língua, algumas habilidades em uma das quatro modalidades (falar, entender, escrever ou ler) da Segunda língua"(Macnamara); e 3) a prática de utilizar duas línguas de forma alternativa.


3 Ouvintismo: "(...) é um conjunto de representações dos ouvintes, a partir do qual o surdo está obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinte". (SKLIAR, 1998, p 15).


4" A expressão Pedagogia para surdos foi traduzida por Pedagogia da Diferença, pela pesquisadora surda, Gladis Perlin (Mestre em Educação de Surdos pela UFRGS, doutora na mesma linha e Coordenadora do Setor de Educação da FENEIS/RS) quando ministrou a aula inaugural do Curso de Pedagogia para Surdos em 9/3/02, na UDESC". (MACHADO, 2008, p 75).


Mediação Intercultural


O procedimento parte do conceito de que: "Todos nós nos localizamos em vocabulários culturais e, sem eles, não conseguimos produzir enunciações enquanto sujeitos culturais". ( Hall, 2003, p.83).


Nesse contexto, a cultura ouvinte não serve de parâmetro para o surdo, não regula mais as ações educativas nas escolas de surdos, mas o outro cultural é indispensável para afirmação da própria cultura dos sujeitos surdos.


Os três últimos modelos de educação descritos acima são mais recentes, mas todos valorizam a Língua de Sinais e consideram a necessidade de constituição das identidades surdas.


Ainda há outras considerações importantes sobre a Educação de Surdos, como a adoção da prática de letramento para surdos.


Surdez e "Letramento"


Alguns estudos têm apontado para a ineficácia dos métodos de alfabetização no ensino da língua escrita para surdos, pois eles requerem do alfabetizando a capacidade de codificação e decodificação de sons. Os surdos, por não ouvirem, têm dificuldades de fazer associações entre o som e a palavra escrita.


Diante dessas considerações, algumas escolas de surdos estão adotando a prática do "letramento' .


O "letramento" visa a uma leitura mais consciente dos textos, considerando o contexto em que se apresenta, e não a simples decodificação de sons e palavras isoladas.


O processo de letramento envolve a associação entre a linguagem verbal e não-verbal atribuindo sentidos à escrita, como no exemplo abaixo.


Você é capaz de decodificar essa escrita pela informação visual? O que antes parecia sem sentido ficou bem mais claro agora, não é?


A partir desse exemplo você pode ter uma noção melhor do que é o letramento para surdos.


PARA SABER MAIS ACESSE:


http://www.smec.salvador.ba.gov.br/site/documentos/espaco-virtual/espaco-educar/educacao-especial/artigos/letamento%20e%20surdez.pdf


Aspectos Lingüísticos da LIBRAS


As línguas de sinais começaram a ser objeto da linguística a partir dos estudos de William Stokoe, um linguista escocês que vivia e trabalhava nos Estados Unidos. Em 1955, ele se tornou professor do Departamento de Inglês do Gallaudet College, hoje conhecida como Gallaudet University. Nessa época, ele ainda não conhecia a Língua de Sinais Americana (ASL). Ele teve de aprender alguns sinais, que ele usava ao mesmo tempo em que dava suas aulas em inglês, como a maioria dos outros professores. Stokoe, logo percebeu que existia uma diferença entre a sinalização que ocorria quando um surdo se comunicava com outro, e a que ele usava como acompanhamento de palavras em inglês, durante suas aulas. A partir daí, ele começou a observar cuidadosamente a sinalização usada pelos surdos e demonstrou que aquela sinalização era uma língua autônoma, que seguia uma gramática própria.
Seus estudos revolucionaram a educação de surdos, contribuindo para o reconhecimento de várias línguas de sinais no mundo todo.


Alfabeto Manual ou Datilologia


É bastante comum ouvir uma pessoa dizer que conhece a língua de sinais, quando, na verdade o que conhecem é o alfabeto manual da língua de sinais.


Assim como as línguas de sinais, o alfabeto manual não é universal, cada língua de sinais tem seu próprio alfabeto.


O Alfabeto manual da Libras, teve sua origem ainda no Império. Em 1856, o conde francês Ernest Huet desembarcou no Rio de Janeiro com o alfabeto manual francês e alguns sinais. O material trazido pelo conde, que era surdo, foi adaptado e deu origem ao alfabeto manual da Libras, que temos hoje.


3 "A linguística é o estudo científico das línguas naturais e humanas. As línguas naturais podem ser entendidas como arbitrárias e /ou como algo que nasce com o homem". (QUADROS e KARNOPP,2004 p.15)


O dicionário de LIBRAS, tem um vocabulário bastante amplo, vamos nos fixar, por enquanto, apenas nas letras do alfabeto.
http://www.acessobrasil.org.br/libras/


O alfabeto manual serve para soletrar algumas palavras que não têm sinal próprio, por exemplo nomes de pessoas, cidades, ruas e outros.


Fonologia das Línguas de Sinais


Vamos conhecer o esquema linguístico proposto por Stokoe para a formação dos sinais. Ele propôs a decomposição dos sinais (ASL), em três parâmetros principais.


• Configuração de mão (CM)


• Ponto de articulação (PA)


• Movimento da mão (M)


Outros pesquisadores contribuíram para a inclusão de mais dois parâmetros no estudo das línguas de sinais:


• Orientação da mão (Or)


• Expressões não-manuais (ENM)


4 "Fonologia é o ramo da Linguística que estuda o sistema sonoro de um idioma, do ponto de vista de sua função no sistema de comunicação linguística".


5" Fonologia das línguas de sinais é o ramo da lingüística que objetiva identificar a estrutura e a organização dos constituintes fonológicos, propondo modelos descritivos e explanatórios". A fonologia para língua de sinais determina quais são as unidades mínimas que formam os sinais e estabelece padrões possíveis de combinação entre essas unidades, bem como variações possíveis no ambiente fonológico. (Quadros e Karnopp, 2004. p.47)


A Configuração de mão se refere à forma que a mão assume durante a realização de um sinal.


Observe essa lista de configurações de mão:

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